segunda-feira, 2 de maio de 2011

Metal.


A janela parecia tão alta. Era algo épico demais. Sua alma descansava no corpo que descansava na larga cama centrada no meio do quarto. A camisola azul-petróleo encobria formas corporais delicadas, curvas que pareciam ter sido feitas por mãos artísticas perdidas na solidão. Pele pálida no lençol de seda pálido. Inquieta. Lábios semi-abertos.
Um terço pendurado por um prego enferrujado na cabeceira da cama.
A foto empoeirava em cima do piano no canto do quarto. Despertou com o baque do pesadelo. Seus olhos procuravam algum sinal de vida na vasta escuridão que se derramava no aposento.
Levou a mão de unhas avermelhadas em direção ao abajur. Claridade. Visão cega.
Deitada em forma de salvadora tirou os pés da cama. Tocou o chão. Seu corpo, sua alma, sua capa caminharam para a janela encoberta por uma cortina suja e rendada. Os pés descalços no para-peito, os cabelos mexendo ao vento. Uma voz. Uma negação.
‘Me encontre’. A voz. ‘Desça ao Céu’. Não sabia como, nunca iria descobrir. Estava postada na cobertura do prédio. Estirada ao relento que a abraçava como uma mãe abraça um filho moribundo.
A mão sobre o peito, sentindo os fracos batimentos do órgão que lhe roubava a vida.
Gosto de metal na boca. O vidro rolou para o lado. Metal tomando conta de suas veias, de suas artérias, de seu ser. Metal fazendo gemer cada parte de seus músculos, de seus ossos, de sua pele.
Metal encaminhando sua alma para fora de sua carcaça.
Gotículas. Gotas. Chuva. Tempestade. Presa ao concreto pelo peso da água. Como se fossem correntes da existência que ela tanto negara. Os cabelos negros formavam raízes emergentes da própria dor.
A carta, enrolada na mão, agora banhada no metal e na água, jazia junto ao que antes fora uma tentativa de viver. Estava descendo aos Céus. Acordando a vida que lhe morrera por dentro. Estava morrendo.
Apodrecendo ao relento.

Bee.

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