quarta-feira, 25 de maio de 2011

Particular.


Tenho uma vontade insana de me esconder em algum lugar misteriosamente maravilhoso. Tenho uma vontade sobrenatural de correr para onde a chuva me aqueceria. Umas vontades de ser, estar, pensar e apenas poder existir sem nenhuma satisfação a dar. Queria poder construir, com tijolos coloridos, um lugar onde a felicidade seria suprema. Reinaria. Mas, ao mesmo tempo, iria querer um lugar abstrato que fosse aconchegante e palpável. Seria muitas, mas sempre a mesma. Teria um príncipe com uma rosa branca. Ergueria um castelo de sonhos, onde os pesadelos enterrados sob a areia dourada, nada mais seriam.
E nesse lugar teria um caminho que me levaria para uma linda casa de madeira. E então, eu abriria a porta de maçaneta acobreada e lá, repousando no sofá, eu encontraria a outra metade da minha alma. Ela iria me sorrir e eu sorriria de volta. Um lugar só meu e que só eu posso e encontro. O que me deixa transbordar em felicidade é perceber que tudo isso existe e que está ao meu alcance.
Basta apenas adentrar os olhos teus.

Bee.

Muros




Mais um muro está sendo construído. E esse, não se sabe o motivo exato pelo qual foi criado.
Normalmente, ela cria esses muros com o intuito de se proteger de algo, para estar preparada quando a água bater ou para não deixar que o vento a derrube. Porém, desta vez ela tem uma impressão diferente. E isso fez com que a dúvida surgisse e a deixasse com a pulga atrás da orelha: este muro é para protegê-la de elementos externos ou é para protegê-la de si mesma?
Ela não tem certeza da resposta.

Pequena.

sábado, 21 de maio de 2011

Marca


Esforço me para lembrar de cada pedaço, cada espaço, cada sentimento, como se fosse perder tudo aquilo no exato momento em que adormecer, como uma perda de memória constante. Imagine que agora não há mais como lembrar exatamente como foi aquele primeiro beijo e que daqui alguns anos não conseguirá lembrar mais daquela festa, daqueles momentos de risadas ou daquele cheiro.
Não me entendas. Talvez seja melhor assim. Momentos que gostaria de guardar se esvaem, como pó.
E não fazer mais parte daquilo parece irreal e confuso. Lutar para guardar tudo aquilo; perfumes irrefutáveis, sensações inigualáveis e completude, nos torna pesados e mais ainda quando alguns desses momentos te irritam, te ameaçam e te enojam.
Não amo o que não tenho, o que não acompanha me pesa. Endurece-me e só me afasta.
Já que continuo a reter todos aqueles momentos, ruins ou bons, não é mais uma escolha e sim um processo. Sensações ruins vêm acompanhadas de momentos apavorantes, imagens que precisam ser refutadas e cheiros nauseantes.
Desista, o que pesa não deve te fascinar, nem todas as marcas valem.

S.Q.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Metal.


A janela parecia tão alta. Era algo épico demais. Sua alma descansava no corpo que descansava na larga cama centrada no meio do quarto. A camisola azul-petróleo encobria formas corporais delicadas, curvas que pareciam ter sido feitas por mãos artísticas perdidas na solidão. Pele pálida no lençol de seda pálido. Inquieta. Lábios semi-abertos.
Um terço pendurado por um prego enferrujado na cabeceira da cama.
A foto empoeirava em cima do piano no canto do quarto. Despertou com o baque do pesadelo. Seus olhos procuravam algum sinal de vida na vasta escuridão que se derramava no aposento.
Levou a mão de unhas avermelhadas em direção ao abajur. Claridade. Visão cega.
Deitada em forma de salvadora tirou os pés da cama. Tocou o chão. Seu corpo, sua alma, sua capa caminharam para a janela encoberta por uma cortina suja e rendada. Os pés descalços no para-peito, os cabelos mexendo ao vento. Uma voz. Uma negação.
‘Me encontre’. A voz. ‘Desça ao Céu’. Não sabia como, nunca iria descobrir. Estava postada na cobertura do prédio. Estirada ao relento que a abraçava como uma mãe abraça um filho moribundo.
A mão sobre o peito, sentindo os fracos batimentos do órgão que lhe roubava a vida.
Gosto de metal na boca. O vidro rolou para o lado. Metal tomando conta de suas veias, de suas artérias, de seu ser. Metal fazendo gemer cada parte de seus músculos, de seus ossos, de sua pele.
Metal encaminhando sua alma para fora de sua carcaça.
Gotículas. Gotas. Chuva. Tempestade. Presa ao concreto pelo peso da água. Como se fossem correntes da existência que ela tanto negara. Os cabelos negros formavam raízes emergentes da própria dor.
A carta, enrolada na mão, agora banhada no metal e na água, jazia junto ao que antes fora uma tentativa de viver. Estava descendo aos Céus. Acordando a vida que lhe morrera por dentro. Estava morrendo.
Apodrecendo ao relento.

Bee.